O que esperar... dos próximos 4 anos
As encruzilhadas em que se meteu o País nas áreas da saúde, educação, segurança e economia, e o que pode acontecer se o cenário não for revertido
O Brasil que vai às urnas no dia 26 de
outubro, para o segundo turno das eleições presidenciais, viveu mudanças
significativas nas últimas décadas. O governo Fernando Henrique Cardoso
(PSDB) trouxe a estabilidade da moeda, retirou a inflação dos patamares
anuais de três dígitos, que impediam o consumo a prazo e o planejamento
das famílias, instituiu a Lei de Responsabilidade Fiscal e criou o
embrião de diversos programas sociais. O governo Lula aproveitou os
ventos favoráveis da economia para fazer o Brasil deslanchar na área
social e virar modelo de combate à extrema pobreza, distribuindo renda e
viabilizando a ascensão das classes mais baixas. O sucesso dos oito
anos do governo Lula alavancou Dilma Rousseff e a levou para o comando
do País sob a expectativa de uma gestão técnica de continuidade. O que
se viu, entretanto, foi a construção de um cenário bem diferente do que
imaginavam os brasileiros em 2010. O País promissor que despontava como
uma potência emergente se meteu em encruzilhadas nos mais importantes
setores, estagnando o crescimento e levando a população a níveis de
insatisfação, medidos com precisão no resultado do primeiro turno da
eleição, quando 58,42% dos eleitores optaram pela oposição ao atual
governo. Dessa forma, o PT deixou as urnas mais fragilizado e Dilma
seguiu na disputa com o menor índice de um vencedor da primeira fase
desde a eleição de 1994.
A CONTINUIDADE E A MUDANÇA
Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB), que se enfrentam no
segundo turno, apresentam receitas diferentes para mudar os rumos do País
Um resultado desfavorável não se constrói
de uma hora para outra. O governo alterou a política econômica costurada
pelos governos anteriores e, em defesa das políticas sociais, descuidou
das contas públicas e da inflação e atrapalhou o desempenho da
iniciativa privada, inibindo investimentos com medidas
intervencionistas. A consequência foi o crescimento médio do PIB de 1,6%
ao ano, a inflação superando o teto de 6,5% e o índice de confiança da
indústria – que alavanca investimentos – com quedas sucessivas,
atingindo redução de 23,8% este ano, segundo cálculo da FGV. Na semana
passada, o Fundo Monetário Internacional (FMI) reduziu a previsão de
crescimento da economia brasileira para este ano. O diagnóstico do Fundo
é que o Brasil freou e vai crescer mero 0,3% em 2014, o que corresponde
a 10% da média mundial, de 3,3%. No relatório, o FMI resume o
significado desse percentual: “Uma competitividade frágil, baixa
confiança dos empresários e condições financeiras mais ajustadas
restringem o investimento”.
A saúde foi outro nó dos últimos quatro
anos. Pesquisas realizadas em junho pelo Instituto Datafolha indicaram
que 93% da população está insatisfeita com o setor. Os principais
problemas enfrentados incluem filas de espera, falta de acesso aos
serviços públicos e má gestão de recursos. De acordo com o estudo, a
saúde é apontada como a área de maior importância para 87% dos
brasileiros, mas a falta de leitos, de equipamento e de médicos criou
situações preocupantes no País. Além das dezenas de demonstrações das
falhas de gestão do Sistema Único de Saúde (SUS), a pressão de entidades
privadas de planos de saúde e indústrias de medicamentos e equipamentos
exerce influência cada vez maior nas decisões das instituições
públicas. Relação essa, vale lembrar, capitalizada pelos financiamentos
de campanhas eleitorais.
Para melhorar os serviços públicos de
saúde, o governo do PT lançou o Programa Mais Médicos, com a importação
de estrangeiros para áreas isoladas. Essa medida estimulou o debate
sobre a qualidade da estrutura pública de saúde nessas localidades, não
tendo sido elas beneficiádas pelas tais metas ou promessas de campanha.
Em 2010, a presidenta Dilma prometeu, por exemplo, construir 500
Unidades de Pronto Atendimento (UPA), mas apenas 175 estão funcionando.
Apesar das soluções paliativas, o direito universal à saúde ainda é uma
realidade distante dos brasileiros. Distância comparável à qualidade da
educação pública prometida nos discursos de campanha.
O baixo investimento em educação básica e
os salários dos professores, muito aquém das metas pleiteadas pela
categoria, são apenas alguns dos ingredientes que tornaram o setor um
problema a ser administrado. Em 2010, Dilma prometeu criar seis mil
creches e pré-escolas e dez mil quadras esportivas cobertas. No entanto,
foram entregues pouco mais de mil creches e 45 quadras. Além disso,
embora o acesso às faculdades tenha aumentado durante os governos do PT,
38% dos alunos de nível superior são considerados analfabetos
funcionais. O País ocupa ainda a triste posição de líder no ranking de
violência contra professores e o penúltimo lugar do mundo na qualidade
da educação pública.
A desaprovação ao governo de parte
majoritária dos eleitores no primeiro turno pode ser explicada ainda por
outros dois problemas cruciais enfrentados pelo País: a corrupção e o
aumento da violência. Foi durante os governos petistas que brotaram
escândalos como o mensalão e os desvios bilionários de contratos da
Petrobras. Diante de cifras desviadas e de caciques partidários
condenados à cadeia, ficou difícil desvincular-se dos malfeitos. “Se
somarmos a esse cenário um crescimento estagnado e a queda do poder de
compra, será possível compreender a falta de apoio ao atual governo”,
avalia David Fleisher, da UnB.
Na área de segurança pública, existe um
outro enrosco. Os números mais recentes sobre o setor mostrados no
estudo do Mapa da Violência 2014 apontam que, em 2012, 154 pessoas
morreram, em média, por dia no Brasil. No total, foram 56.337 pessoas
que perderam a vida assassinadas no ano — 7% a mais do que em 2011. O
estudo que analisou a última década registra aumento de 13,4% da
violência no período, enquanto o crescimento da população ficou em
11,1%. Os índices brasileiros ultrapassam as mortes registradas nos mais
sangrentos conflitos armados do mundo.
Diante da crise de segurança, não faltam
contra-argumentos do governo sobre o aumento dos investimentos na área e
os esforços com o lançamento de programas voltados a combater a
violência. A questão que se apresenta como um grande imbróglio na
segurança pública são as cifras de investimentos. O governo federal
participa com apenas 13% do financiamento da segurança pública, cabendo
aos Estados e municípios arcar com os outros 87% do que deveria ser
gasto. Sem recursos, os Estados alegam que não há o que fazer e o jogo
de empurra faz com que o País ostente índices acima dos países em guerra
civil. Nos últimos quatro anos, foram liberados apenas 10,5% dos
recursos previstos no Fundo Penitenciário Nacional, que devem ser usados
para ampliar a estrutura das penitenciárias.
Diante de números e fatos que desmentem as
mais mirabolantes promessas de campanha eleitoral, o questionamento que
se impõe é o que pode acontecer com o Brasil se tudo continuar como
está. O próximo presidente assume um país com manobras fiscais evidentes
e inegáveis, o que dificulta o desenho do real cenário financeiro das
contas públicas. O Brasil acumulou o quarto déficit mensal seguido em
agosto. Os gastos superaram a arrecadação em R$ 10 bilhões. Mesmo assim,
o governo afirma que as análises sobre os gastos descontrolados são
eleitoreiras e que o discurso de que é preciso fazer ajustes no próximo
ano, que obrigaria a próxima administração a reduzir despesas, não
possui base técnica. A presidenta Dilma diz que não pretende realizar
nenhum choque fiscal, embora especialistas digam que, se isso não
acontecer, o País pode quebrar de vez.
Na lista dos gastos descontrolados está
ainda o déficit da previdência, próximo de 7,5% do PIB. Especialistas
concordam que se não houver controle dessa conta poderá faltar recursos
para financiar os gastos com setores vitais como saúde e educação. Além
disso, reajustes de energia elétrica e gasolina estão represados para
não aumentar ainda mais a inflação em ano eleitoral. Essa realidade terá
de ser enfrentada no próximo ano. O cientista político brasileiro Bruno
Hoepers, da Universidade de Pittsburgh, ressalta que a manutenção das
diretrizes do atual governo ainda guardam outro problema: as alianças no
Congresso para obter o mínimo de governabilidade. “O grande desafio
será gerenciar melhor a coalizão, o que implica distribuir de forma mais
equitativa as pastas ministeriais e cargos na burocracia federal entre
os partidos aliados”, afirma. Na opinião de Hoepers, essa tarefa será
mais desafiadora em um eventual segundo mandato de Dilma, uma vez que
seu partido, o PT, terá menos cadeiras na Câmara do que tem hoje. A
situação ainda será agravada pelas negociações que terão de ser feitas
com 28 partidos, número de legendas da próxima legislatura. Atualmente,
são 22 partidos na Câmara.
Se Dilma for reeleita, por certo a inflação
permanecerá nos atuais patamares, já que a própria presidenta defende
que a perseguição de uma meta mais austera pode significar o aumento do
desemprego. É justamente o que o PT promete evitar. Embora receba
críticas de diversos setores, o atual governo não dá sinais de que
pretende mudar sua política econômica. Pelo contrário, integrantes da
equipe de reeleição dizem que a orientação em um eventual segundo
mandato será o de continuar a perseguir índices inflacionários próximos a
6%, como ocorre desde 2011. Aécio Neves, candidato do PSDB, defende
justamente o oposto. Acredita que é preciso trazer a inflação para o
centro da meta e que durante seu mandato o ideal seria atingir índice de
3%, que é a meta semelhante a países como o Chile. Na prática, esses
números complexos e a discussão de metas e índices representam para os
brasileiros os valores do custo de vida. Quanto menor o índice, menos
será preciso gastar para consumir.
Para o economista da UnB Flavio Basílio, o
Brasil passa por um momento de transição, no qual a estratégia de
crescimento sustentado no aumento do crédito e dos salários acima da
produtividade, ambos estimulando o consumo, mostra sinais de
esgotamento. Isso significa que o crescimento futuro da economia
brasileira depende, mais do que nunca, da ampliação dos investimentos
produtivos, do aumento da competitividade da indústria de transformação
e, por consequência, da retomada da confiança do empresariado.
O risco, segundo o especialista, se as
coisas continuarem no mesmo caminho, é de o País perder o grau de
investimento nos próximos anos. “Com uma inflação próxima do teto da
meta de 6,5% ao ano e com crescente ampliação do déficit em transações
correntes, é importante que o próximo governo promova um ajuste fiscal
para auxiliar a política monetária no combate à inflação e assegurar a
manutenção do poder de compra dos trabalhadores e o grau de investimento
do Brasil”, diz Basílio. “Sem o ajuste, o risco de o país perder o grau
de investimento nos próximos anos é real”, afirma. Na opinião do
professor, essa perda poderia ocorrer justamente quando o Banco Central
americano subisse os juros, o que provocaria fuga de capitais do Brasil
com consequências inflacionárias e com repercussões negativas sobre a
estabilidade da economia.