Flávio Dino diz que dinheiro, ataque, mentira da oligarquia não funcionou
Carlos Madeiro
Do UOL, em São Luís
Do UOL, em São Luís
Aos 50 anos, o ex-deputado federal Flávio
Dino (PC do B) se tornou, domingo (5), o primeiro comunista eleito
governador de um Estado no país. Vencedor com 63,5% dos votos válidos
dos maranhenses, ele promete iniciar um novo ciclo no Estado, mas não
para estatizar ou coletivizar nada, mas sim, “implantando o capitalismo”
no Maranhão.
Em entrevista ao UOL, Dino afirmou que o
Estado precisa quebrar o modelo de governo a serviço de poucas famílias
que mantiveram no poder por meio século e, assim, estimular a
competitividade e ingresso de novos empresários.
“Isso leva a mais investimentos e expansão da riqueza”, disse.
Durante a conversa, o novo governador do
Maranhão também falou dos desafios à frente do cargo, como superar o
indicadores sociais negativos, a crise no sistema prisional, anunciou as
primeiras medidas de governo a partir de 1º de janeiro de 2015 e fez
uma previsão de como deve ser o comportamento na oposição do grupo
ligado aos Sarney.
UOL – Como o senhor pretende usar a ideologia comunista em seu governo?
Flávio Dino – Sobretudo
com o compromisso da mudança pela igualdade. Durante a campanha, falaram
muto sobre comunismo, que ia implantar o comunismo, e eu falava sobre a
etimologia da palavra: comunismo é comunidade, comunhão. Dizia:
‘defendemos que haja uma comunhão mais justa da riqueza. Aqui no
Maranhão essa é grande questão. Temos uma contradição entre o 16º maior
PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil e as últimas colocações dos
indicadores sociais, o que mostra que tem algo errado. O PIB deveria
gerar índices melhores, mas não gera pela concentração. A gente precisa
aumentar a riqueza, não há duvida, mas garantir que o aumento não seja
absoluto. Essa luta política é PIB versus IDH (Índice de Desenvolvimento
Humano), pois o Sarney diz que é o PIB o mais importante, e eu digo que
é IDH. Então do comunismo se aproveitam valores e princípios. São
possíveis medidas inspiradas nesses valores, mas no limite de
legalidade. Não vamos estatizar, nem coletivizar nada, mas buscar a
distribuição.
Mesmo sendo comunista, o senhor
falou muito durante a campanha em incentivar a concorrência, atrair
empresas, práticas capitalista. Não é contraditório?
Aqui temos uma arranjo patrimonialista
clássico: confusão do privado e a submissão do público, sempre a serviço
de três famílias: Sarney, Lobão e Murad. Nossa vitória interrompe esse
ciclo e desamarra esse nó da economia do Maranhão. Isso melhora as
condições para que haja mais competição. Na nossa avaliação e na dos
economistas, isso leva a mais investimentos e expansão da riqueza. Nesse
sentido econômico, sempre falava de um choque de capitalismo. Vamos
fazer o capitalismo no Maranhão. Garantir que os empresários saibam que
há regras do jogo, e essas regras não serão rescindidas ou revogadas de
acordo com família A, B ou C.
Como o senhor pretende reduzir a pobreza do Maranhão, já que o Estado possui poucos recursos?
Primeiro, usando bem o dinheiro público
disponível. No momento em que você tem uma gestão melhor, com probidade,
você mobiliza recursos. Nós temos o Fundo de Combate à Pobreza do
Maranhão. Onde é aplicado, ninguém sabe. São 200e poucos milhões por
ano, mas não tem transparência. Na hora que você pega esse dinheiro,
você foca em melhorar o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano)
rapidamente.
Quais suas medidas iniciais no governo?
Vamos fazer uma campanha de
alfabetização, no sentido de mutirão, não sozinho, mas mobilizando
igreja, sociedade. E vamos pegar as 20 cidades e investir na geração de
renda, que é o viés mais rápido de melhorar o IDH. A renda é tão baixa
que se você faz um arranjo produtivo local, e o governo compra o
produto, você duplica a renda da cidade em dois anos. Nós vamos focar
nisso com políticas transversais.
Uma das críticas do seu opositor
era de que há, em seu plano de governo, uma promessa de dobrar o
contingente policial, mas que não há recursos para isso.
A nossa meta é para quatro anos, e vai se
condicionar à meta de crescimento da receita. O que ele fala é
futurologia. É uma meta necessária. É impossível fazer segurança com o
número de policiais que temos. Hoje, a violência cresce, o tráfico
cresce, e como vai conter? Com polícia na rua.
O Maranhão tem a pior relação de médicos por habitante do país. Como manter e atrair profissionais?
Duas coisas faremos imediatas. Um:
residência médica. Hoje exportamos médicos. A gente forma 300 médicos,
mas só têm 100 vagas de residência. Tem de ter um vigoroso programa de
residência e um programa de valorização da atenção básica. Minha ideia é
dar um complemento para tentar reter esses médicos no Maranhão. Uma
coisa de mais longo prazo, e é meta do governo, é fazer com que os
cursos funcionem em plena capacidade.
A crise no Complexo Prisional de Pedrinhas ainda permanece, com fugas, mortes, rebeliões. O que senhor fará com o local?
Vamos retomar a autoridade de Pedrinhas,
quebrar o poder das facções lá dentro. Nós vamos retirar todos os
terceirizados da atividade-fim, que é uma imposição legal. O cara está
num barril de pólvora ganhando salário mínimo. A chance disso dar certo é
zero. E isso só foi feito por negócio, porque o cara que terceiriza é
sócio do Jorge Murad [marido de Roseana Sarney]. Vamos usar os agentes e
ter apoio nacional. Quero mostrar que uma politica de direitos humanos é
eficaz. Precisa ter aliados, não se consegue retomar o controle de
2.000 pessoas sem aliados. É preciso conquistar as pessoas, não é só
colocar um policial em cada cela. Vamos fazer isso com muita dedicação,
porque é simbólico. Temos coisas aqui que são simbólicas, como vender a
casa de festas. São coisas para mostrar essa mudança. E também temos
algumas obras-símbolo, como a rodovia Paulo Ramos-Arame, que é
importante para o Maranhão. Essa estrada foi paga num dos governos de
Roseana e ela não existe.
O senhor pretende fazer uma auditoria nas contas do governo Roseana?
Uma auditoria no sentido da devassa, não.
Vamos fazer na medida em que os problemas surgem. Aí sim, surgindo,
vamos auditar, rescindir e ir atrás do ressarcimento. Isso é
inegociável. Quem deu o prejuízo, vai ter de pagar.
Após uma campanha acirrada e com tantas acusações, como o senhor espera a transição?
Devo até o fim da semana anunciar a
equipe, e espero que, a partir daí, a governadora designe os
interlocutores e dê os dados necessários. Espero que o grupo tenha uma
atitude mais respeitosa do que teve durante a campanha. Ao mesmo tempo,
se houver sabotagem, vamos combater com muita dureza. Depende mais deles
do que da gente.
Como o senhor espera que se comportem os Sarney na oposição?
Acho que o núcleo ligado a esses três clãs –que têm pessoas intimamente ligadas– vai fazer oposição dura. Mas é do jogo.
Aqui no Maranhão muito se fala
que o Jackson Lago, em 2009, foi cassado sem provas e por conta da força
dos Sarney. O senhor teme algo assim novamente?
Não. Acredito que eles devem entrar com
alguma ação para manter um tensionamento. Mas não acredito, primeiro,
porque não há razão. Eu conheço bem esse grupo e conheço bem esse jogo.
Eu vivo disso há 24 anos. Então, a gente tomou todas as cautelas e não
há razão objetiva. Mas vão dizer: ‘mas no caso Jackson também não
havia’. Mas ali havia uma conjunção muito desfavorável a ele, que era o
Sarney presidente do Senado, e era a filha dele. A situação agora é bem
diferente.
Na primeira entrevista que o senhor deu após a vitória, disse que a oligarquia acabou para sempre. Por que tanta certeza?
O grupo vai continuar existindo e com
maioria na Assembleia. O resultado eleitoral mostra que o tempo deles
passou. A gente ganhou com imensa maioria nas cidades. Tem cidade que
tivemos 90% dos votos. É algo muito eloquente nesse sentido. Eles
moveram todo o arsenal tradicional deles, de dinheiro, compra, ataques,
mentira, e não funcionou.
Mas porque funcionou por 50 anos e nesta eleição falhou?
Porque se exauriu. Houve mudanças
sociais. A internet foi uma aliada expressiva, nos deu velocidade para
combater a mídia tradicional deles. O Bolsa Família também, porque cria
independência do chefe político local. E também teve o crescimento da
urbanização. São fatores estruturais. E eles chegaram nessa eleição com
um desgaste administrativo mais forte. Teve a crise de Pedrinhas, o
doleiro Yousseff preso aqui, depois o Paulo Roberto Costa. Esses eventos
ajudam a entender o resultado.
Como o senhor espera a receptividade do governo federal a um novo governo maranhense?
Espero parceria, colaboração e um
julgamento técnico das nossas propostas. Vamos fazer bons projetos, e
isso com certeza vai resultar em muitas parcerias, qualquer que seja o
presidente.