Delator da Petrobras diz que a campanha de Dilma em 2010 foi beneficiada por dinheiro desviado
O ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e o doleiro Alberto Youssef afirmam que o PT foi o partido mais contemplado pela propina. As revelações estarrecedoras escancaram a falência moral do Estado nos últimos anos
Na quarta-feira
8, vieram à tona áudios de depoimentos feitos em regime de delação
premiada na Justiça Federal em Curitiba por Paulo Roberto Costa,
ex-diretor da Petrobras, e pelo doleiro Alberto Youssef – considerados
hoje dois dos maiores arquivos vivos da República e detentores dos
segredos mais explosivos da maior estatal do País. As declarações dos
delatores descrevem uma gigantesca rede de corrupção formada por
dirigentes da Petrobras, empreiteiras e partidos políticos integrantes
da base de sustentação do governo Dilma Rousseff. As revelações são
estarrecedoras. A corrupção estatal poucas vezes foi exposta de maneira
tão crua e direta narrada abertamente por seus executores a serviço do
Estado. Nos áudios, os depoentes apontam PT, PMDB e PP como as legendas
beneficiadas pelo propinoduto e colocam sob suspeição a campanha de 2010
da presidenta Dilma Rousseff. “Dos 3% da Diretoria de Abastecimento, 1%
seria repassado para o PP e os 2% restantes ficariam para o PT. Isso me
foi dito com toda a clareza”, afirmou o ex-diretor da Petrobras.
“Outras diretorias também eram PT. O comentário que pautava dentro da
companhia era que em alguns casos os 3% ficavam para o PT”, acrescentou.
Um dos operadores dos desvios na Petrobras, de acordo com os
depoimentos, era João Vaccari Neto, tesoureiro do PT. Indicado para o
cargo pelo ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, o ex-diretor de
Serviços Renato Duque e Nestor Cerveró, ex-dirigente da Área
Internacional da Petrobras da cota do PMDB, também recebiam propina.
“Bom, era conversado dentro da companhia e isso era claro que sim. Sim. A
resposta é sim”, afirmou Paulo Roberto Costa, questionado sobre o
pagamento de suborno aos dois. As movimentações irregulares, segundo
disseram, continuaram até 2012, quando Costa deixou a estatal, e pode
ter contaminado a atual campanha de Dilma à reeleição.
É fato que se a sociedade brasileira
encarar como natural esse assalto à coisa pública terá de estar
preparada para aceitar todo e qualquer tipo de desmando de seus
governantes. Os limites estarão rompidos indissoluvelmente. Mas,
sabe-se, não é da índole do brasileiro compactuar com malfeitos. Neste
caso, malfeitos perpetrados no coração da maior estatal do País, motor
do desenvolvimento e outrora símbolo da soberania nacional. O dinheiro
desviado tinha origem no superfaturamento dos contratos da Petrobras. A
taxa média do sobrepreço, além da boa margem de lucro, girava em torno
de 3%. Paulo Roberto Costa explicou como funcionava a fábrica de
dinheiro para as campanhas políticas e o bolso dos corruptos. Costa
confessou que atuava como guardião dos numerários da corrupção. Ele
intermediava contatos políticos, gerenciava o pagamento de propina das
empreiteiras e cuidava dos critérios da distribuição dos lucros aos
partidos envolvidos. O ex-diretor foi assertivo ao apontar o PT como o
maior beneficiário dos desvios. Cada partido tinha seus próprios
operadores. De acordo com os depoimentos, o ex-deputado José Janene
(PR), que faleceu em 2010, e Youssef eram os responsáveis por distribuir
o dinheiro da propina no PP. Eles também entregavam a parte que cabia
ao ex-diretor da Petrobras por sua atuação nas irregularidades. Costa
não detalhou como era feita a divisão dos recursos no PT, tarefa do
tesoureiro João Vaccari. No organograma do crime, o delator aponta o
ex-diretor de Serviços Renato Duque, apadrinhado de José Dirceu, como o
contato do tesoureiro do PT na estatal.
O MAGISTRADO
Os depoimentos, colhidos pelo juiz Sérgio Moro,
impressionaram pela riqueza de detalhes e pela
sofisticação do esquema corrupto narrado
A farra da base aliada na estatal se
iniciou, de fato, em 2007, quando a Petrobras direcionou o orçamento
para grandes projetos, como a construção de refinarias. Mas a
idealização e a montagem da rede de corrupção remetem a 2004, com a
nomeação de Paulo Roberto Costa para a Diretoria de Abastecimento. Na
cúpula da estatal, ele teve grande importância na ampliação do poder do
cartel das empreiteiras e na geração de mais divisas para a ala de
políticos da quadrilha. Por isso, contou com o lobby de fortes
lideranças do cenário nacional para chegar ao posto, com o aval do
Palácio do Planalto. Nesse ponto, o doleiro Youssef fez uma das
revelações mais importantes de seu depoimento. “Para que Paulo Roberto
Costa assumisse a cadeira de diretor da Diretoria de Abastecimento,
esses agentes políticos trancaram a pauta no Congresso durante 90 dias.
Na época o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ficou louco, teve que
ceder e realmente empossar o Paulo Roberto Costa”, contou Youssef no
interrogatório.
Ao afirmar que Lula se curvou aos
interesses de um bando especializado em drenar dinheiro dos cofres da
Petrobras, o doleiro pode ter fornecido um dos fios da meada para se
entender como os governos petistas contemplaram as práticas ilícitas.
Registros do Congresso trazem indícios de que o doleiro, realmente,
tinha razão. Na primeira quinzena de abril de 2004, um mês antes de
Costa ser nomeado diretor da Petrobras, o governo Lula sofreu com uma
rebelião da base, capitaneada pelo PMDB. À época, o presidente mandou ao
Congresso uma medida provisória que reajustava o salário mínimo para R$
260. Para retaliar o governo, a base passou a exigir o cumprimento de
uma promessa de campanha de Lula, que previa o salário mínimo a US$ 100,
o equivalente a R$ 289. O PT trabalhava, ainda, para aprovar um projeto
que criava 2.800 cargos de confiança no governo. O PP de José Janene
passou algumas semanas sem sequer registrar presença no plenário, com o
único objetivo de prejudicar o governo do Planalto. Renan Calheiros
(PMDB-AL), hoje presidente do Congresso e também citado nas
investigações da Lava Jato, comandou a rebelião no Senado.
Presos no início do ano durante a Operação
Lava Jato da Polícia Federal, Costa e Youssef aceitaram contribuir com
as investigações em troca do abrandamento de suas penas. Nos depoimentos
em Curitiba, eles não tinham autorização para explicitar os nomes das
autoridades com direito a foro especial, caso de parlamentares, por se
tratar de Justiça de primeira instância. Esses casos são apurados
somente no Supremo Tribunal Federal (STF).
OS SEGREDOS DO DOLEIRO
Preso em Curitiba, Alberto Youssef disse que o Congresso ameaçou
paralisar a pauta e Lula capitulou às pressões para
que Paulo Roberto Costa fosse nomeado
Mesmo sem poder citar nomes, o ex-diretor
forneceu informações que, de forma indireta, tiram o sono de muitas
autoridades. O delator descreveu, por exemplo, uma consultoria prestada a
um político fluminense candidato a cargo majoritário, que queria fazer
um plano de governo direcionado ao setor de energia para captar recursos
de financiamento de campanha das empresas da área. Costa também
envolveu o PMDB ao citar a Diretoria Internacional da Petrobras como
feudo da sigla. Segundo o ex-diretor, o responsável por fazer o serviço
sujo do recolhimento da propina junto às empreiteiras seria Fernando
Soares, conhecido como Fernando Baiano. “Na Diretoria Internacional, o
Nestor Cerveró foi indicado por um político e tinha ligação forte com o
PMDB”, disse o delator. Nos bastidores do Congresso, atribui-se a
indicação de Cerveró a Renan Calheiros.
“Em diretorias como gás, energia e exploração, o comentário
na companhia é que 3% ficavam com o PT”
na companhia é que 3% ficavam com o PT”
Chamou a atenção dos investigadores o tom
de deboche muitas vezes adotado nas conversas dos envolvidos nas
práticas corruptas. Nesse contexto, uma das expressões mais usadas pelos
interlocutores era um trecho da Oração de São Francisco de Assis,
aquele que prega “é dando que se recebe”. “Nós tínhamos reuniões, com
certa periodicidade, com esse grupo político e nesses encontros
comentava-se, recebemos isso, recebemos aquilo”, afirmou o ex-diretor,
sobre os acertos de propina. As cifras astronômicas que abasteciam o
esquema são tratadas com naturalidade pelo ex-diretor, mas deixam
confusos até mesmo os experientes investigadores do caso. Ao narrar
episódio em que recebeu R$ 500 mil das mãos do presidente da Transpetro,
Sérgio Machado, por ter ajudado a intermediar contratação de empresas
de navios, os interrogadores não esconderam o espanto e questionaram
Costa sobre a forma de pagamento da propina. “Uma parcela”, respondeu.
“Tem uma tabela e ela revela valores de agentes
de vários partidos relativos à eleição de 2010”
de vários partidos relativos à eleição de 2010”
Meio milhão de reais é uma cifra
desprezível no universo de dígitos dos contratos firmados entre as
empreiteiras que compunham o cartel que dominou a Petrobras. Relatório
da Polícia Federal estima que, de R$ 5,8 bilhões em transações firmadas,
R$ 1,4 bilhão escoou pelo ralo graças a obras superfaturadas para
abastecer a quadrilha. Paulo Roberto Costa apontou 11 empresas
envolvidas nos desvios. Ele detalhou a ação orquestrada das companhias,
mas faz questão de dizer que nem todos os contratos da estatal estão
contaminados. Como exemplo, ele cita a Refinaria Abreu e Lima, de
Pernambuco. De acordo com Costa, o empreendimento reúne aproximadamente
50 empresas, mas o cartel não encampa todas as contratadas. A máquina de
irregularidades era tocada pelas empreiteiras Odebrecht, Camargo
Corrêa, Andrade Gutierrez, Mendes Júnior, UTC, Engevix, Iesa, Toyo
Setal, Galvão Engenharia, OAS e Queiroz Galvão. O delator listou,
também, o nome de diretores responsáveis por negociar as condições
especiais proporcionadas às firmas. As empreiteiras repudiaram
publicamente as denúncias. O ex-diretor envolveu os altos escalões das
empresas: “Os presidentes das companhias tinham conhecimento do
esquema”. As empresas agiam como se fossem donas da Petrobras, segundo
relato do delator. Rateavam os contratos conforme a disponibilidade de
suas equipes e determinavam a taxa de lucro que queriam. Quando uma
firma fora do grupo conseguia romper a barreira do cartel, as
empreiteiras protestavam. “Às vezes participaram empresas que não eram
do cartel, ganhavam a licitação e isso deixava as empresas do cartel
muito zangadas”, afirmou.
DRENAGEM DE BILHÕES
Erguida ao custo de US$ 20,1 bilhões - valor dez vezes superior ao
estimado preliminarmente (US$ 2,5 bilhões) -, a Refinaria Abreu e
Lima é o retrato da corrupção, incompetência e malversação
de recursos, revelou a Polícia Federal
O cartel formado pelas empreiteiras para
sangrar as contas da Petrobras, segundo Paulo Roberto Costa, agia também
em alguns ministérios. A rede de pagamento de propina da estatal
funcionaria para abrir portas em pastas com gordos orçamentos para obras
de infraestrutura. “Empresas que tinham interesses em outros
ministérios, capitaneados por partidos, participaram de obras de
rodovias, saneamento básico, do Minha Casa Minha Vida. No meu tempo na
Petrobras, nenhuma empresa deixou de pagar propina. Se você cria um
problema de um lado, pode gerar de outro”, afirmou.
“Na refinaria Abreu e Lima a Camargo Corrêa participou
do cartel e efetuou os repasses a políticos”
do cartel e efetuou os repasses a políticos”
Ao fim do trabalho de análise e
recolhimento de provas, os empresários atrelados à fraude responderão a
processo criminal. Além dos relatos do ex-diretor, os investigadores da
Lava Jato conseguiram obter de uma das companhias um tipo de colaboração
no formato de um acordo de leniência. A empresa está ajudando a reunir
provas financeiras para demonstrar a atuação do cartel. A ajuda
garantirá a essa empreiteira a possibilidade de evitar sanções, como
firmar novos contratos com o poder público. Seus diretores, no entanto,
terão de responder penalmente pela participação nas negociatas.
“Recebia em espécie na minha casa, no shopping ou escritório.
Recebi da Transpetro R$ 500 mil e quem pagou foi Sérgio Machado”
Recebi da Transpetro R$ 500 mil e quem pagou foi Sérgio Machado”
A divulgação do interrogatório do doleiro e
do ex-diretor da Petrobras incendiou o ambiente eleitoral e os citados
se apressaram em repudiar as acusações. O ex-presidente Lula usou um
repertório que já lhe é peculiar ao reagir às novas denúncias. Em
discurso em Campo Limpo, São Paulo, bradou como se vítima fosse e como
se ele e o seu partido estivessem acima do bem e do mal: “Eu já estou de
saco cheio (das denúncias contra o PT). Daqui a pouco eles estarão
investigando como nós nos portávamos dentro do ventre da nossa mãe”. No
governo, intensificam-se as pressões para a demissão de Sérgio Machado,
da Transpetro, que teria entregado R$ 500 mil para Paulo Roberto Costa.
O objetivo é evitar mais desgastes para o Planalto. O PT, como Lula,
também cumpre roteiro conhecido. Pretende procurar o ministro Teori
Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, para pedir que não ocorram novos
vazamentos, durante o segundo turno das eleições, dos depoimentos feitos
em sigilo de justiça. Zavascki desempenha papel de protagonista nas
investigações. Como ministro do STF, instância responsável por julgar
políticos e autoridades com foro privilegiado, coube a ele validar os
depoimentos colhidos pelo juiz Sérgio Moro. Na etapa atual, ele analisa
as provas colhidas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público
Federal que envolvem parlamentares e ministros do Estado na rede de
corrupção. Não são poucas.
“Dentro do PT a ligação do diretor de serviço
era com o tesoureiro, o senhor João Vaccari”
era com o tesoureiro, o senhor João Vaccari”
Fotos: JF DIORIO/AE, Nacho Doce/Reuters, Ricardo Borges/Folhapress; Guga Matos/JC Imagem/Folhapress