O massacre de 132 crianças no Paquistão encerra um ano marcado por conflitos. Em alguns, houve recusa ao diálogo. Em outros, banhos de sangue
Às 10 horas da manhã do dia 16 de dezembro, centenas de alunos e professores do Colégio Militar de Peshawar, no norte do Paquistão, saíram das classes para o intervalo. No pátio, crianças, adolescentes e adultos foram emboscados por sete militantes armados do grupo fundamentalista islâmico Taleban. Os terroristas usaram pistolas e granadas numa matança cruel – assassinaram 141 pessoas, 132 delas crianças. Deixaram 114 feridos. O Exército cercou a escola e iniciou um tiroteio que durou nove horas. Quatro terroristas se suicidaram, e três foram mortos pelos militares.
Um massacre dessa magnitude foi o desfecho trágico de um ano marcado por uma longa lista de horrores (leia no quadro abaixo). Em 2014, o mundo viu o que de pior a humanidade pode produzir. O grupo fundamentalista Estado Islâmico (EI) destacou-se como novidade na galeria da barbárie. A cada vilarejo conquistado na Síria e no Iraque, seus jihadistas crucificaram, enforcaram, degolaram, evisceraram e estupraram suas vítimas. A ONU estima que o EI tenha matado mais de 30 mil pessoas em 2014. O grupo filma e expõe ao mundo as decapitações de ocidentais sequestrados.
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O horror patrocinado pelo fundamentalismo islâmico não foi o único a chocar o mundo. Na guerra civil da Síria, o número de mortos em 2014 passou de 50 mil (são mais de 200 mil no total). Outro conflito sem fundamento religioso contribuiu com a carnificina. Na Ucrânia, a disputa entre os separatistas do leste e os ucranianos pró-Ocidente do oeste deixou mais de 4.300 mortos. Com patrocínio dos russos, os separatistas atacaram pequenas cidades do leste. No afã de derrotar as forças ocidentais, com pesado armamento antiaéreo fornecido pela Rússia, os separatistas miraram em aviões militares ucranianos e atingiram um avião civil da Malaysia Airlines, matando 283 pessoas, em julho.
Em outro conflito que parece cada vez mais distante da solução, os militantes do grupo extremista palestino Hamas dispararam foguetes contra cidades israelenses na Faixa de Gaza. A resposta foi dura. Por 50 dias, as forças militares israelenses bombardearam Gaza para destruir a infraestrutura do Hamas. Os militantes haviam construído suas bases de lançamento propositalmente próximas de residências, a fim de que houvesse o máximo de vítimas, em caso de reação israelense. O revide de Israel matou 1.523 civis, 519 deles crianças. O drama desse embate não se esgota na guerra aberta em 2014. Haveria algum alento se, ao fim dos ataques, houvesse sido criado um novo canal de diálogo. Negativo. Foram enterradas em 2014 quaisquer perspectivas animadoras para as negociações.
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A dificuldade de entendimento deste ano se expressou não só em conflitos armados, mas também na frustração de negociações, na ruptura ou na recusa ao diálogo. O fim do governo de Mahmoud Ahmadinejad no Irã e a ascensão do moderado Hassan Rohani ao poder haviam trazido uma réstia de esperança na retomada de relações melhores com o Ocidente. Estados Unidos e União Europeia acreditavam que 2014 marcaria o fim da crise nuclear do Irã, por meio de um acordo para o enriquecimento de urânio no país. O secretário de Estado dos EUA, John Kerry, voltou a Washington de mãos abanando, com a promessa de novas conversas para daqui a sete meses. Diplomatas americanos revelaram ao jornal The New York Times que as reuniões tiveram momentos de exaltação. Um deles afirmou que, pela primeira vez em vários encontros, os negociadores “levantaram o tom de voz” e “trocaram alfinetadas desagradáveis”. Outro sinal de esperança desapareceu em Mianmar. A Junta Militar que governa o país há mais de 50 anos recuou na transição para a democracia, iniciada em 2008, e cerceou os direitos da líder da oposição e Nobel da Paz Aung San Suu Kyi.
No Brasil, nosso 2014 sombrio não se caracterizou por novos conflitos armados. Continuamos a ser um dos países mais violentos do mundo, atormentado pelo banditismo e pela falta de segurança pública. A novidade ruim de 2014 foi o clima de guerra que marcou as eleições. Parte dos brasileiros, ao escolher o candidato que considerava mais adequado, viu-se sob críticas preconceituosas e aplicação de rótulos como “insensível com a miséria” ou “favorável à corrupção”. A festa da democracia não foi das mais alegres. Reconciliar petistas e tucanos, porém, é um milagre que parece fora do alcance até do papa Francisco.